Quando eu era uma lagarta, eu vivia me rastejando pelo chão,
sempre a espera de um novo que eu não conhecia. Sabia que um dia as coisas
mudariam, era sempre assim com minhas amigas lagartas, um dia estavam pelo
chão, noutro sumiam... Então eu sabia que um dia eu também sumiria... Fosse
isso a morte, fosse isso uma nova vida, um dia eu sumiria.
Hoje me lembro de pensar e pedir muito ao deus das lagartas,
deus cruel esse que faz a gente se arrastar pelo chão em pânico, medo de ser
pisado pelos gigantes matadores de lagartas, mas como era o único deus que eu
conhecia, era á ele que dirigia minhas preces...
Lagarto pai, olha por mim, eu to toda ralada, e cansada de
dar um passo depois do outro, andando sem rumo, pelo chão dessa metrópole...
Pai ouve meu lamento, concede um pouco de felicidade á essa sua filha. Pai...
Eu que me deixo levar pelo destino traçado e aceito minha insignificância,
peco, não tarda a me tirar dessa vida. E, obrigada pai, pela esperança que nunca
me abandona.
Um dia me descobri num casulo. O processo de casulo é
difícil de descrever... Não lembro direito como foi feito, se eu fiz ou se eu
já era o casulo... a única recordação que tenho é da sensação que antecede o
estar preso. A desistência.
Um dia eu desisti. Não perdi a fé, mas desisti de pedir.
Percebi que eu tinha prolongado meu destino de lagarta de tanto pedir ajuda... Eu
só tinha que ver que aquela minha vida tinha ficado pra trás. E mais, agradecer
a meu deus por perceber isso quando ainda tinha tempo. Tempo para a redenção!
E me vi dentro do casulo... Pensei... Agora eu to quentinha,
protegidinha, dentro desse quartinho... Nada me falta, por que nada quero. Sim,
a experiência do eu me basto.
Eu me bastava e me aquecia, e me amava... e ia esquecendo os
dias infindáveis de perigo que havia passado. Claro que não queria sair do
casulo, eu me bastava. E foi então que me curei. E esqueci. Um dia uma luz entrou pelo casulo, eu pensei,
mas como? Que luz e essa que invade assim meu mundo de proteção e aconchego?
Que luz é essa que me cega, depois de tanto tempo no escurinho? E tentei
fugir... Me esconder dentro de mim e não ver a claridade tomando conta do meu
pequeno mundinho, onde era senhor absoluto. Que de mim nascia e para mim se
dirigia... E daí’? Eu me amava sim, qual o problema? Mas quando eu me acostumei
com a claridade, passei a ter noites de vigília intensa e insônia pura,
esperando o sol nascer e a luz me aquecer. Me percebi esquecendo o quanto era
bom ficar tranqüila no quartinho escuro, esqueci do qt era bom viver o amor em
mim e pra mim... Comecei a amar o sol. Foi só ai, quase como um milagre, eu me
descobri transformada... Meu deus pensava... Que deus é o meu, já não sou
lagarta, nem sei o que eu sou... A quem dirijo minhas orações? Tinha uma coisa
estranha acontecendo com o e meu corpo e o medo de morrer foi grande. Senti a
dor da falta de coragem, dor latente, inesquecível... Corroendo minhas
tentativas de sair do casulo. Sim sair sim, por que naquele momento o casulo
mais significava uma prisão, do que um lar... Eu queria era sentir o sol
inteiro nesse corpo ate então desconhecido meu.
E a forca pra romper o casulo? E o medo de me queimar no sol
sem a proteção do casulo... Mas como sentir o sol dentro do casulo? Eu olhava
pro sol e pedia ajuda. O casulo era úmido e as paredes esticavam, eu pedia
forca pra romper o casulo.
Fiz buraquinhos para o sol entrar e aquecer meu corpo preso.
E ele entrava pelas frestas e em fugidios momentos eu sentia na pele o calor...
e queria mais... e mais...
Quando eu já estava pensando que ia viver pra sempre assim,
entre o desconhecido e o conforto perdido, fez um dia muito quente... Desses
que a gente não esquece... Que secou toda a umidade do casulo... Meu deus eu
pensei... É hoje... É hoje que eu saio daqui. Aquele calor todo dava medo... Eu
que tão acostumada ao quente e úmido mini útero, ser assim surpreendida por
tanto calor.
Enquanto estava ainda tentando digerir tudo isso... Escutei
um crec... E outro crec... E outro crec... Ainda sem saber o que isso significava,
e com mais medo ainda, percebi que tudo estava ruindo ao poder do sol. Eu
pensei, é agora ou nunca...
Hoje eu estou aqui contando isso e pensando, como é difícil
descrever a paixão da borboleta, e me perguntando... Quando foi o momento exato
que o casulo se quebrou e o sol enfim me banhou? E chego à conclusão que a
magia é o instante/já.
Aconteceu, acontece e acontecerá... Sim... Aconteceu...
E essa é a historia da Borboleta que se apaixonou pelo
Sol...

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